domingo, 21 de junho de 2009

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Passeias pela praia. Tentas-te descobrir no meio dos outros. Sempre o fizeste. Procuras a praia de cada vez que precisas de te perceber. O mar ajuda-te a pensar: entras de uma vez só na água, deixas que esta te congele o cérebro na esperança vã de que ao voltar tudo seja claro para ti. Não é. No entanto o sal nos lábios, o cabelo molhado, frio, sobre a pele que o sol vai aquecendo e as conchas e pedras que pisas pelo caminho fazem-te sentir viva. Sempre fizeram. E às vezes é só isso que faz falta. Não hoje. Hoje tens uma decisão para tomar. E queres tomá-la racionalmente.

Algumas coisas sempre foram sagradas para ti. A amizade. O respeito. A lealdade. Sempre as implementaste na tua vida e sempre te guiaste com base nelas. Deixaste escapar algumas (boas) oportunidades por poderes pôr em causa os valores em que acreditavas. Acreditas. (Utiliza no mínimo o tempo correcto enquanto a decisão não estiver tomada!) Deixaste muitas oportunidades escapar por entre os dedos por poderes magoar amigos. Arrependes-te de algumas decisões. Não da maior parte, mas de algumas. Sabes que algumas coisas podiam ter sido muito diferentes, que podia ter sido muito mais fácil. Mas estás aqui. Sobreviveste a tudo e continuas aqui. E se és quem és é porque viveste o que viveste. (E quem és, afinal?)

Sempre defendeste o "lutar até ao fim". Sempre o aconselhaste àqueles que procuravam nos momentos de indecisão e àqueles que não te procurando, te encontravam. Nunca foste de o aplicar. Não no que ao coração diz respeito, de qualquer modo. Deixaste-te viver à deriva durante alguns anos, sem procurar nada de específico e encontrando muito pouco. Não acreditas no amor à primeira vista. Fascínio, sim. Há pessoas que consideraste fascinantes logo na primeira vez que as viste. No entanto, passado pouco tempo o fascínio vai-se desmoronando ao perceberes que não são quem idealizaste. Achas que o amor, tal como a amizade, é algo que se constrói. E é assim que vives. Foi assim que os teus amigos passaram a sê-lo. Os novos, os antigos, todos. Nunca sabes dizer ao certo quando é que começou, mas sabes que foi com o tempo. E é também com o tempo que eles se perdem. Nunca perdeste um amigo dum momento para o outro. Excepto aqueles que a morte levou. Todos os outros foi por terem crescido em direcções opostas, por a vida, destino, o que quer que lhe queiras chamar, ter a isso 'obrigado'. Por isso tudo isto é novo para ti. Não sabes o que hás de fazer. Sabes que a tua decisão vai condicionar a tua relação com algumas das pessoas que te são mais próximas. Por isso queres pensar bem nisso. Pensar bem naquilo que consideras mais importante. Pensar se vale a pena pôr em causa os valores em que acreditas. Amizade, Respeito, Lealdade.

Nunca deste muito valor ao amor. Não é ao amor, é a relações. Achas ridícula a necessidade de viver dependente de outra pessoa, de fazer a vida totalmente a dois, de andar sempre agarrado a alguém. Gostas de independência e de não ter de dar grandes satisfações a ninguém. Por isso valorizas muito mais a amizade. Gostas de viver em grupo. Não há nada que te dê mais prazer do que uma boa gargalhada em grupo. E não tens de dizer nada a ninguém se assim o entenderes. E no entanto, neste momento, anseias por uma. Mais uma razão para não saberes o que fazer. Isto não é uma paixão platónica. Não. O que queres é uma relação. Uma mensagem a dizer bom dia. Uma mensagem a dizer boa noite. Aquilo de que te rias é aquilo que agora queres. Uma relação. Algo que seja real.
Um dia disseste, sem perceber bem o que dizias, que o que separa a amizade do amor é uma linha muito ténue. Pisaste a linha. Trespassaste-a de braços levantados, como se fosses ganhar algum troféu. Ferrugem. Ferrugem, é o que o teu troféu tem. E o seu cheiro entra-te pelas narinas, faz-te pensar na pessoa em que te tornaste. Ferrugem. E no entanto segues em frente. Afastas-te cada vez mais da linha que trespassaste, condicionando com o teu percurso outras linhas. E pensas se será a decisão certa. Não sabes. Continuas sem saber o que fazer, continuas a não querer decidir nada, continuas a querer esconder-te debaixo da cama até tudo passar. Por fim decides-te. Vais deixar o mundo passar. Vais deixar que ele decida por ti, vais deixar que seja ele e o tempo, o destino, a vida, o que quer que seja, a decidir por ti. Depois logo se vê. O resto, logo se vê. Sabes o que sentes, o que de si não é mau. Agora é esperar.
Enrolas-te na toalha, proteges-te do vento que se levantou sem dares por isso. De chinelos na mão percorres a praia até casa. Não estás feliz. Não estás satisfeita com a tua decisão. Mas ela vai ter de servir. Por agora.

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